sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Irmãos de Sangue - Capítulo 3 - Sobre Lobos e Homens

A fogueira crepitava, envolvendo os três homens numa nuvem de calor que lutava bravamente contra o frio enregelante do deserto a volta deles, Johnny Goode alimentava as chamas e as cutucava com um galho longo, até que, dando-se por satisfeito, pegou o violão e começou a dedilhar uma música sobre a saudade da casa e o cansaço da viagem.
- Sabe, - comentou Jack Donelly - essa música nos traduz bem, exceto por uma coisa.
- É... - concordou Scott Callahan - não temos casa, o cansaço da viagem vai ser eternamente nosso companheiro.
- Desperados. - riu Johnny Goode - Eternamente desperados.
- Pra onde vamos daqui? - perguntou Scott
- Sacramento fica a mais meio dia de viajem, devemos partir quando o sol nascer e chegaremos lá por volta de meio-dia. - Jack explicou.
- E chegando lá? - Scott continuou
- Procurar nos saloons, perguntar nos becos, esse tipo de lugar, conseguindo uma indicação, o resto fica fácil. - Johnny falou com experiência. - E já que estamos aqui, que tal nos apresentarmos decentemente? Cada um conta sua história, de como chegou até aqui, e depois passa pro outro.
- Eu vou começar então. - disse Scott. - Vinte e quatro anos atrás eu vim da Escócia com meus pais, Bobby, meu irmão, nasceu na América, quando eu tinha oito anos meu pai aceitou uma proposta para integrar uma das caravanas de pioneiros que viriam para o oeste e nós viemos, aprendi a atirar com um senhor da caravana, chegamos ao Novo México e nos fixamos em um pequeno povoado, meu pai comprou uma briga com o grande fazendeiro local e foi morto, com treze anos vi meu pai morrer e matei dois dos assassinos com a arma do meu pai. - Ele tirou seu revólver do coldre que trazia na parte de trás do cinto e o olhou com carinho. - Minha mãe morreu quando nossa casa pegou fogo, eu tinha quinze anos na época, e foi uma vela que caiu na cortina, eu e meu irmão fomos pro orfanato, mas ele saiu logo em seguida, indo viver nas ruas. Eu aprendi o ofício de reverendo e depois entrei para a igreja.

O silêncio reinou por um tempo, até que Jack pigarreou.
- Bom acho que é minha vez. - Tirou o baralho do bolso e começou a embaralhar as cartas. - Sou filho de irlandeses, mas já nasci na América, no oeste mesmo, e desde pequeno cresci sabendo atirar, meu avô me criou e me ensinou desde pivete, ele era o velho xerife de uma cidade, quando cresci, me casei logo, e no primeiro ano de casado tivemos a Felicity, eu a amava, e amava sua mãe mais do que tudo. eu ganhava a vida como fazendeiro num rancho afastado da cidade, numa noite, nós ouvimos as vacas assustadas no pasto e saimos para olhar, no escuro eu me perdi da minha mulher, e depois de vagar um tempo pelo pasto eu a encontrei sendo dilacerada viva pelos lobos, matei todos com o revólver, recolhi minha esposa e no outro dia eu e Felicity a enterramos no rancho, depois daquilo eu desandei, comecei a beber e me vicei em jogo, perdi o rancho, mas eventualmente fiquei bom o suficiente em pôquer para viver disso, e vivia viajando com Felicity, pagando nossa vida com o dinheiro do jogo, até que... - Sua voz foi sumindo graudalmente até morrer.

Johnny Goode mexia o fogo em silencio com um galho longo, e a madeira seca estalava com o calor, então sorriu e disse:
- É, essa é a coisa engraçada sobre lobos e homens...
Voltou a ficar em silêncio, depois pigarreou e voltou a falar:
- Eu não tenho uma história cheia de reviravoltas, cresci com meu pai, um caixeiro andante viúvo, que me ensinou a atirar e a tocar violão, quando fiz quatorze anos economizei para comprar um violão, mas acabei comprando um rifle para ajudar meu pai no seu trabalho, no ano seguinte ele caiu doente e morreu, tomei seu violão e passei a viver como músico itinerante, ironicamente, até hoje sou melhor atirador que cantor, com dezessete anos toquei num saloon onde conheci Mary, me apaixonei por ela e nós acabamos nos casando, a voz dela era linda, e ela cantava as músicas enquanto eu acompanhava no violão, num dos saloons, durante um tiroteio eu acabei matando um amigo do nosso colega fujão e fiquei jurado de vingança, então em outra cidade, enquanto dormíamos ela foi ver quem batia na porta e acabou levando os tiros que eram pra mim, e depois disso tenho usado a desculpa de músico itinerante para caçar o desgraçado.

O silêncio reinou de novo, uivos foram ouvidos, perto da borda do círculo que a luz do fogo fazia, os três se colocaram de pé rápidamente, ficando de costas um pro outro, Jack pegou seu revólver e tirou três balas, distribuindo aleatoriamente as três balas restantes pelas seis câmaras , então engatilhou a arma e girou o tambor.
- Que merda é essa? - Perguntou Scott.
- Só uma aposta, quem tem mais sorte, nós ou os lobos. - Riu Jack.

Os lobos surgiram na luz e se lançaram contra os três homens, os dois primeiros caíram assim que saíram da escuridão, com dois disparos de Johnny, os outros seis se dividiram em trios e correrram contra Scott e Jack, Scott tirou os seus três de circulação com três disparos rápidos, e Jack ria a cada estrondo que anunciava que a câmara da sua arma estava carregada, logo os oito lobos jaziam no chão.
- Parece que ainda tenho jeito com apostas. - Riu Jack.
Com um rosnado feroz, um nono lobo saltou contra as costas de Jack, vindo de algum lugar onde nenhum deles havia visto, Jack se virou sabendo que não ia fazer diferença, suas três balas já haviam sido disparadas, colocou seu braço protegendo seu pescoço por mero reflexo, e quando sentiu a mandíbula do lobo acima do seu punho fechou os olhos e esperou pela mordida.
Um disparo ecoou na noite fria e o lobo foi jogado violentamente para longe, Scott estava ao lado de Jack, com o braço estendido e o cano do revólver fumegando e soltando fumaça, Scott guardou o revólver e se virou murmurando:
- Esse filho da puta ainda vai nos matar com essa compulsão por apostas...
Johnny contemplava todos os lobos mortos a volta deles e riu de novo.
- Essa é a coisa engraçada sobre lobos e homens, os dois só param de matar quando nós os matamos... Não sei como, mas isso deve ser engraçado para alguém.
E olhando para cima com um sorriso irônico, foi dormir.

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