domingo, 7 de fevereiro de 2010

A hard rain's a-gonna fall. - Parte 2 -

Acordo com o celular tocando, mas não estou afim de atender, noite bem dormida dessa vez, cortesia dos bons e velhos amigos: Johnnie, Jack, e Jim, os únicos amigos pra qualquer hora, a dor de cabeça agora é até um preço pequeno a pagar, e nada cura melhor uma ressaca do que beber de novo; Levanto e caminho até o banheiro, tomo banho, e escovo os dentes, me visto e saio.
Caminhando pela rua, vejo quem me ligou: Axys. Ligo pra ele de volta, e a voz fina e tremida atende do outro lado.
- Porque não atendeu antes Russel? - ele reclama.
- Porque a porca gorda da sua mãe estava por cima e eu não consegui alcançar o celular, filhão, a propósito você vai ganhar um irmãozinho.
- Anda pegando porcas gordas agora, Jack? - ele dá um risinho. - Que seja, passe aqui, achei o que você queria, e agora quero meu pagamento.
- Vou depois que tomar café, Axyl. Sempre o bacon em primeiro lugar. - desligo.

Chego na loja de penhores do Axyl uma hora mais tarde, parei antes e fiz umas apostas no jogo do Liverpool, se o plano der errado e eu morrer, pelo menos não vou precisar pagar, abro a porta e vou até atrás do balcão, Axyl está esperando do lado de dentro.
- Senhor, não pode entrar aí. - o balconista começa, garoto novo, mas hoje não acordei bem, minha cabeça está latejando, provavelmente não bebi o suficiente de manhã.
- Volte pra porra do balcão, você não me viu aqui. - falo lentamente, minha voz soa anti-natural, estranha, ele se vira e obedece sem uma palavra, entro na parte de trás da loja.
- Gastando magia com balconistas, Russel? Ele tinha instruções para te trazer para cá, era só se identificar. - Axyl me cumprimenta rindo.
- Foda-se Axyl, o que tem para mim?
Ele me joga um papel com um nome e um endereço rabiscados apressadamente.
- Aí está, o que você me pediu.
Entrego para ele a página do grimório, e começo a ler o endereço.
- Porque a letra está tão ruim Axyl?
- Digamos que eu tive que ser persuasivo. - Ele sorri mostrando os dentes pontudos.
- Você me dá nojo.
- Você fala como se fossemos muito diferentes, não Jack.
Me levanto e vou saindo, quando me viro e digo:
- Lave esse rabo nojento Axyl, você está fedendo a enxofre.
- Háháhá, você é hilário Russel.
Apago o cigarro na antiguidade que parece mais cara por ali e vou embora ouvindo ele me xingar.

Subo no táxi e sigo em direção ao endereço que recebi,de repente eu consegui avançar uma base, faltam duas.
- Obrigado, fique com o troco. - pago o taxista e me vejo em frente a uma casa que aluga quartos, a casa é velha e um pouco mal-cuidada mas parece aconchegante. Acendo um cigarro e toco a campainha, uma senhora idosa atende.
- O que deseja senhor?
- Procuro um velho amigo, o padre Artur Baldwin, a senhora o conhece?
O rosto severo da senhora se abre num sorriso sincero quando ela reconhece o nome.
- O padre Arty? Oh meu bem, ele saiu mas deve voltar logo, vamos, entre, saia do frio, pode esperá-lo aqui dentro.
Sorrio e entro, tirando o sobretudo e pendurando-o no cabide ao lado da porta, vou até a cozinha onde a velha senhora lavava a louça e assava um bolo.
- Quer dizer que é amigo de Arty? De onde se conhecem? - pergunta ela animada enquanto me serve uma xícara de café.
- Fomos ao seminário juntos, mas fazem muitos anos que não o vejo desde aquela época.
Ela sorri mais ao ouvir isso e me serve um pedaço de um bolo que repousava na pia.
- E qual o seu nome, padre?
- Padre Jack Russel, senhora. - respondo sorrindo enquanto meu estômago da cambalhotas.
- Prazer padre, sou Amelia Johnson, mas pode me chamar de Amy. Como ficou sabendo onde padre Arty estava hospedado?
- Com alguns amigos dele da igreja, eles me disseram isso. - quando Amy se vira, eu batizo o café com whisky.
- Ele é tão bom não é? Ele me disse que não fica numa das acomodações da igreja porque não gosta de se isolar das pessoas, ele diz que um bom pastor vive junto do rebanho. - ela sorri com os olhos brilhando, tenho que admitir que esse cara é bom.
A sineta da porta se abrindo me salva de mais dessa lambição de saco pra cima desse cretino, ela sorri ao ouvir o barulho e diz:
- Deve ser ele, vou chamá-lo para o senhor.
Escuto passos e em seguida um homem que deve ter seus quarenta e cinco anos, com início de cálvice e uma leve barriga entra na cozinha, ele me olha assustado.
- Arty, seu bode velho, lembra de mim? Jack! - ofereço um sorriso, mas meu olhar deixa bem claro que não vim fazer amizade e que é bom ele entrar na dança.
- Jacko! Que saudade! - ele se adianta e aperta minha mão, então me olha sério. - Temos muito que conversar, Amy, por favor não nos incomode, e me leva até seu quarto.
Ao entrar ele fecha a porta tranquilamente e a tranca, depois se senta na cama e põe as mãos sobre o rosto.
- Está bem, - ele diz - eu sabia que isso ia me morder o calcanhar mais cedo ou mais tarde, então, - ele se vira para mim - qual o tamanho da encrenca, vocês vão me processar por denegrir o nome da igreja?
- Relaxe rapaz, sou tão padre quanto você, - eu falo acendendo um cigarro - mas você acertou metade, uma encrenca, e ela é tão grande que provavelmente daria para ter uma conferência da ONU em cima dela.
Ele me olhou apavorado e começou a suar frio, escondeu o rosto nas mãos e engasgou.
- Você veio por causa das aparições?
Sorri ao ver a cara de desespero dele e disse:
- Sim, vim por causa delas, você acabou de confirmar minhas suspeitas, você tem idéia do que fez?
- Agora eu tenho - ele balbuciou.
- Agora é tarde, pessoas morreram por sua causa, eu nem devia estar aqui, devia deixar você enlouquecer e morrer, mas morrer é uma coisa muito gentil pra você. Vou te salvar, se você concordar em pagar o preço.
- Eu concordo, eu concordo, o que quer que seja eu concordo, só me diga o que fazer. - ele agarra meu paletó desesperado, os olhos já começaram a ficar desvairados, se eu tivesse demorado um pouco mais não haveria o que salvar.
- Muito bem, - eu sorrio - mas não se esqueça dessa promessa. Encontre-me hoje a noite, neste endereço. - rabisco um local num pedaço de papel e o entrego.
- Mas não se esqueça que você irá pagar pela merda que você fez.
Ele assente com a cabeça em silêncio, eu me viro e vou embora.
No Hall de entrada Amy me vê saindo.
- Já vai padre Jack?
- Sim querida, minha paróquia é longe daqui, só vim ver Arty e já vou embora.
- Entendo, volte quando puder, sim?
- Prometo que volto. - eu sorrio e aceno um adeus, saindo para a rua, está caindo um aguaceiro de novo, mas vou andando hoje, preciso pensar...
- I'm a-goin' back out 'fore the rain starts a-fallin'... Mr. Dylan sabia o que estava falando...

Bom, tudo que eu pensava estava se provando certo, e era hora de me preparar, cheguei em casa encharcado e tomei um banho quente, me vesti e acendi um cigarro, bebi meia garrafa de scotch, peguei o que eu ia precisar e sai.

Uma hora depois me encontro com o pobre e apavorado falso padre numa área de construção, ele treme dos pés à cabeça no seu casaco de lã, ele ainda usa a estola e o crucifixo, e têm nas mãos uma bíblia.
- Olá padre. - cumprimento-o com um aceno de cabeça.
- Como pode estar tão tranquilo? - ele me pergunta apavorado.
- Porque eu não sou você. - respondo com um sorrisinho, acendendo um cigarro.
Tiro um giz avermelhado do bolso e desenho um círculo com vários símbolos dentro, o círculo não ficou perfeito, mas vai servir, mando ele pisar no centro e ele pisa tremendo, me afasto e sorrio para ele.
- O que é isso? - ele pergunta apavorado.
- Só confie em mim. - eu sorrio. - Não é como se você tivesse escolha mesmo certo?
Ele range os dentes, eu puxo um pergaminho velho de um bolso do sobretudo e começo a recitar as palavras escritas ali.
- Repita as três últimas palavras depois de mim: Ash nâzg thrakatûluk.
Ele repete com a voz trêmula, e o círculo de giz brilha com uma luz vermelha que se estreita até circundar apenas o pobre coitado., um barulho alto é ouvido nas trevas ao nosso redor e o cara quase começa a chorar.
- É por isso que eu adoro meu trabalho. - sorrio. - Àqueles que caminham na sombra sem fim, revelem-se!

Uma luz sobrenatural faz aparecer os causadores daquele barulho, são todas as quatro pessoas para as quais ele deu a extrema-unção. Elas parecem levemente translúcidas, mas ao mesmo tempo sólidas, elas não são fantasmas, são rancor, eu sorrio e rilho os dentes.
O falso padre se apavora e corre pra longe, saindo do círculo, bastardo desgraçado, era o que eu precisava, mais uma pessoa pra me preocupar, porque ele não pode ficar no círculo de proteção? Corro atrás dele para salvá-lo e tento empurrar uma das formas de rancor, ela me afasta com um safanão me fazendo voar cinco metros.
Eu aterrisso com um baque dolorido, me sento no mesmo lugar que cai e procuro a garrafa e os cigarros... Perdi, e meu terno está todo amarrotado... É por isso que eu odeio meu trabalho!
O coitado está cercado pelas formas de rancor e só consegue implorar perdão em gritos estrangulados, não vou negar que ele mereça isso, mas não está em minha posição julgar... Por enquanto. Me levanto e pego o isqueiro no meu bolso, acendo ele e faço dois círculos ao redor de mim, as chamas crepitam no ar me circundando, vão ter que servir.
Corro até o lugar em que ele está cercado e me atiro contra uma das formas de rancor, ela solta um grito rasgado e eu passo por ela, ficando com o padre cercado por aquelas coisas nojentas, faço os círculos de fogo circundarem ao padre e me viro para ele.
- Tem um cigarro aí?
Ele me olha espantado e grita:
- Um cigarro, olha o tamanho da merda em que a gente tá e você quer um cigarro??
- Bom, um grimório também ia ajudar, mas você não anda com um, e eu menos. E o cigarro? - sorrio.
Ele dá de ombros e me entrega o cigarro, eu acendo e viro pras formas de rancor:
- Já sei do que vocês precisam, calminha rapazes, vocês já vão conseguir!
Tiro um pequeno frasco de um dos bolsos do casaco, pelo menos ele eu não perdi quando brincaram de lançar o Russel.
- Você vai beber agora? E eu confiei em você! - o padre reclama.
- Muita gente comete esse erro. - sorrio e jogo o conteúdo do frasco nas formas de rancor, o lugar onde elas são atingidas começa a brilhar e elas soltam um grito estrangulado de ódio, uma delas estende a mão pra mim e me toca no peito, uma dor fria e perfurante corre pelo meu corpo, eu me contorço, com a mão que está livre eu alcanço no meu bolso uma estola e a enrolo no braço, então mergulho ela num dos círculos de chamas que circundam o farsante, a estola pega fogo com uma luz dourada e eu a uso para afastar as formas de rancor, que ganem ao toque daquelas chamas, sem poder parar para respirar, termino de ungir as formas de rancor, e juntando o que me resta de resistência, digo bem alto:
- Por esta santa unção e por sua grande misericórdia, Deus te perdoe tudo que fizeste de mal. - Está feito, agora é torcer para o talvez do padre e meu palpite estarem certos...
Caio de joelhos, ofegante e vejo uma das formas de rancor estender a mão para mim, pelo visto eu estava errado, que jeito idiota de morrer, salvando um padre de mentira... começo a rir incontrolavelmente, a forma de rancor se aproxima e eu não consigo parar, é irônico demais, ela estende seu braço para me tocar, e de repente explode num brilho branco, desaparecendo com um urro gutural.
O susto me faz parar de rir, me levanto e vou procurar meus cigarros e meu frasco de whisky, acendo um cigarro e volto até o padre, ele me olha nos olhos e balbucia.
- Muito obrigado senhor, muito obrigado mesmo, o senhor salvou minha vida e minha sanidade, eu lhe devo tudo...
- Epa, eu tenho um preço padre, lembre-se disso, você vai me xingar antes do fim do dia...
- Não importa, eu pago, não interessa o que seja.
- É mesmo? Bom saber. - eu sorrio. - Losfers! - eu estralo os dedos, de repente muitas pessoas translúcidas aparecem diante do padre.
- O que é isso? - ele exclama apavorado.
- Eu disse para você ter calma padre, esse é o meu preço, pessoas morreram por sua causa, agora você vai carregar nas costas a vida delas.
- O que? O que quer dizer com isso?
- Todos temos crimes, e todos pagamos por isso, esse é o pagamento que você vai fazer.
- E você, Jack Russel? Não tem crimes? Não paga? Em que posição você acha que está para julgar os outros?
Eu sorrio, e olho para o céu antes de responder:
- Na posição de maior criminoso dentre todos que já conheci...
- Você só pode estar brincando. - ele me diz descrente.
- Eu não brinco em serviço padre.
- Mas você brincou o tempo todo!
- É... Bom... Eu não trabalho também. - sorrio
Ele me olha com desconfiança e diz:
- Não vai dizer mais nada?
Jogo a bituca de cigarro no chão e olho para ele:
- Sabe se o Liverpool ganhou o jogo? - Sorrio ironicamente.

O padre foi embora, naquele mesmo dia, antes de eu poder ir falar com ele de novo, ele fez as malas e sumiu no mundo sem nem dizer para ninguém para onde iria...
- Não sabe se ele volta? Ou pra onde foi?
- Não sei, sinto muito Amy, algo muito sério deve ter acontecido.
- Espero que ele esteja bem... - a pobre senhora está mesmo triste.
"Ele nunca estará" - Eu também espero Amy.
- Obrigada por vir, padre Russel, não vai entrar mesmo?
- Não, estava só de passagem, adeus Amy.
- Adeus padre, bom dia.
Olho para o céu de novo, acendo um cigarro e sorrio ironicamente quando um pingo de chuva me atinge no rosto.
- É, uma chuva pesada vai cair...
Vou embora, caminhando pelas ruas cinzentas e melancólicas de minha amada Londres.