terça-feira, 17 de agosto de 2010

Um (longo) trecho de alguma coisa...

- Eu sabia que ia te achar aqui... - A voz soou aliviada e ofegante, seguida de passos que caminharam até a borda do terraço, se aproximando de um vulto sentado.
- Poxa cara, todo mundo está procurando você que nem um louco, pra que sumir assim? - A voz continuou, parando ao lado do rapaz sentado no parapeito.
- Eu precisava pensar, ficar sozinho por um tempo... - o garoto sentado respondeu sem desviar o olhar da cidade que se estendia a partir do prédio, o sol se pondo emoldurava os edifícios altos e os vários tons de cinza, criando um contra-ponto entre beleza e frieza. - Você deixou a porta do acesso aberta, Jack. - ele continuou, virando seus olhos verdes e expressivos para olhar Jack.
Jack suspirou impaciente, indo fechar a porta, não adiantava, Josh era assim mesmo, Jack voltou e se sentou ao lado de Josh, contemplando a a cidade com ele.
- Porta fechada. - disse Jack, olhando para a cidade. - Agora você vai me falar porque sumiu assim cara? Todo mundo está desesperado procurando você, a Lex não para de chorar... - Jack continuou, virando-se para olhar Josh.
Josh se virou para Jack, Jack examinou seu amigo, diabos, seu melhor amigo. No alto daquele terraço, um jovem de aproximadamente 26 anos, pele clara e lisa, cabelos lisos penteados displicentemente, olhos verdes, altura média e esguio, vestido com uma camisa de mangas dobradas próximas do cotovelo, jeans e tênis, olhava de volta para ele, então Josh olhou pra baixo, parecendo desanimado.
- Ela chorou? - Josh deu um sorriso triste. - Estou indo cada vez melhor nisso então... - ele continuou, pegando uma garrafa de bolso e dando um longo gole.
- Josh? Cara, me conta o que aconteceu...
- Isso aconteceu cara. - disse Josh, estendendo uma folha de papel para Jack.
Jack pegou a folha curioso e a leu de cima a baixo três vezes, depois olhou para Josh.
- Quando? Como? Como assim você foi aceito como enviado de guerra? - Jack falou assustado.
- Eu me candidatei para isso no site dessa agência faz dois anos, aparentemente eles viram minhas reportagens e acharam que tenho potencial para ser mandado para Israel... E essa carta chegou quando eu não estava em casa.
- Ou seja... - Jack começou lentamente. - Quem viu isso foi a Lex?
- Isso. - confirmou Josh, dando outro gole na garrafa. - Quando cheguei em casa, ela estava chorando e me perguntando porque eu queria aquilo, não tive tempo de explicar que isso é de antes de nós nos conhecermos.
- E porque não esperou ela se acalmar, e explicou pra ela a situação? - Jack perguntou, pegando a garrafa da mão de Josh e dando um gole.
- Porque eu não sei o que fazer... - Josh riu. - Tanta coisa mudou desde que eu mandei essa carta pra eles, dois anos atrás, que eu não sei o que fazer... Não sei se devo aceitar ou recusar...
Jack assentiu em silêncio e devolveu a garrafa para Josh, os dois olhavam para a cidade enquanto conversavam...
- Eu nunca te entendi, sabia? Somos amigos há o que, 16 anos? E eu nunca consegui entender você... - disse Jack, puxando um maço de cigarros do bolso da camisa.
- O que você quer dizer? - Josh perguntou, virando-se para Jack interessado.
- Bem... - Jack fez uma pausa para acender o cigarro. - Desde crianças, você foi sempre o primeiro em tudo, lembra? Quando um barranco era muito alto pra pular, você era o primeiro a se arriscar, quando a neve chegava, você era o primeiro a descer o declive mais alto de trenó, foi o primeiro a brigar com alguém... praticamente tudo que podia ser minimamente perigoso, você fez antes de todo o resto da turma sabe? - Jack continuou, oferecendo o maço para Josh e depois colocando-o sobre o parapeito. - E eu sempre me perguntava: Como ele consegue não ter medo? Eventualmente eu conclui que você gostava de correr o risco, que era o próprio perigo que te compelia, mas nunca entendi o porque disso... - Ele sorriu, soprando a fumaça. - Daí você se tornou repórter e eu pensei "bem, agora ele vai sossegar, vai parar de ficar pulando na cova dos leões por esporte..." Mas ledo engano, hein? Você virou repórter policial e já escapou de pelo menos três tiroreios... E eu continuo sem te entender cara...
Josh sorriu e recusou o cigarro, suspirou e olhou para Jack.
- É o perigo mesmo cara, isso me move, desde pequeno eu gostava de correr riscos; jornalismo policial, brigas em bar, tudo foi pra sentir a possibilidade de algo dar errado, pra fazer minhas apostas... - Josh olhou pra cima, depois continuou - Mas hoje, pela primeira vez, quando vi aquela carta com a notícia que eu mais queria receber dois anos atrás, eu não senti excitação, senti medo... Eu não entendi o que aconteceu cara... Isso e a reação da Lex e eu vi que precisava pensar, daí vim pra cá, sabia que só você ia lembrar da nossa época de colegial matando aulas aqui, se você não me achasse, ninguém acharia.
- Será que você ficou com medo de morrer? Será que foi esse medo que você sentiu? - Jack então parou, percebendo que Josh até agora não pegara um cigarro, e olhou para o amigo sobressaltado. - Porque não pegou um cigarro??
- Parei de fumar, velho amigo, Lex pediu para eu parar, ela não queria que eu acabasse morrendo de repente por causa do cigarro. - sorriu Josh.
- Ela te fez parar de fumar? - Jack sorriu, soltando um assovio. - Essa garota realmente te pegou hein cara...
Josh assentiu lentamente, sem proferir palavra alguma.
O punho zunindo se chocou contra o queixo de Josh, jogando-o de costas no chão do terraço, ele parou atônito, tentando em vão focar a visão, quando viu Jack aparecer de cabeça para baixo diante de seus olhos.
- Mas o que... Por que diabos você fez isso, seu bastardo? - ele perguntou, endireitando o corpo e se levantando lentamente.
- Porque você merecia, seu grande cretino. - Jack sorriu, ajudando Josh a se levantar. - Você mereceu por ser um estúpido, foi por isso.
- Ãhn? - Josh levantou uma sombrancelha, se apoiando no parapeito com as pernas trêmulas.
- Se eu te dissesse que você vai morrer daqui a um mês, o que você me diria? - Jack perguntou, apoiando-se no parapeito.
- Foda-se, e daí?
Jack jogou o cigarro no chão e sorriu.
- Mas e se o que eu te dissesse fosse que a Lex vai morrer em um mês?
- Eu ia querer saber como você sabe, o que eu poderia fazer pra impedir, eu não ia deixar isso acontecer nem que tivesse que trancá-la no apartamento pro resto da vida. - Josh respondeu com simplicidade.
Jack sorriu de novo.
- Aí que está, seu imbecil, o porque de você ter sentido medo, não foi por você, foi pela Lex, sua mentalidade emocional é tão desenvolvida quanto a de uma caixa de fósforo meio usada.
ele se aproximou de Josh e explicou pacientemente.
- Você nunca sentiu medo por você e continua não sentindo, mas agora que você está com a Lex, você sente medo por ela, medo de perdê-la ou de deixá-la sozinha, você agora não vive mais só por você, é isso que te confundiu. Cara, ela foi capaz de te fazer parar de fumar, você tem noção de o quanto você tem que gostar dela pra isso acontecer? O quanto você tem de amá-la??
Josh limpou um filete de sangue que escorria de sua boca, olhando fixamente para Jack.
- Acho que isso também responde sua pergunta sobre ir ou ficar. - concluiu Jack com um sorriso, no tom de voz de um professor que explica algo óbvio, mas que a princípio o aluno não via.
Josh arregalou os olhos e sem proferir palavra alguma correu porta afora, deixando Jack com um sorriso vitorioso nos lábios a olhar para a porta por onde ele saíra.

A luz do dia tinha acabado a quinze minutos e o quarto estava numa penumbra depressiva, ainda assim ela não sentira vontade de levantar daquela cama e acender a luz, ela só conseguia sentir medo; medo de que ela tivesse reagido do jeito errado, medo que tudo fosse por água abaixo, tinha medo de ele decidir ir por causa da reação dela, tinha medo de ele acabar morrendo no meio da guerra, tinha medo, pura e simplismente tinha medo...
Apertada entre seus dedos estava o envelope da carta, a maldita carta que chegara para causar aqueles problemas, agora Josh estava desaparecido, com Jack procurando por ele e ela ali sentada, esperando ele aparecer... ou Jack aparecer falando que não tinha encontrado nada...
A porta abriu de repente, a luz foi acesa e Josh estava ali, olhando para ela sentada na cama com o envelope apertado entre as mãos e os olhos inchados de tanto chorar, ela se levantou de sobressalto quando ele entrou.
- Lex? - Josh perguntou timidamente.
Ela se atirou contra ele, os braços enlaçando seu pescoço, jogando uma nuvem de cabelos na frente dos olhos de Josh, o corpo de Lex tremia convulsivo e ela apertava o seu corpo fortemente contra o dele.
- Desculpa Josh, eu não tenho o direito de te dizer o que fazer. Eu só fiquei com medo... - ela falou, sem soltar os braços do pescoço dele.
- Tudo bem, eu entendo Lex, entendo mesmo... - Josh falou, abraçando-a forte e beijando o lado do seu pescoço. - Pode me dar o envelope?
Ela se afastou dele, entregando a ele o bolinho de papel que já fora um envelope oficial da maior agência de comunicações do país, ele o pegou, juntando-o à carta que tirou do bolso, puxou um isqueiro antigo de outro bolso e acendeu o papel, jogando-o no cinzeiro sobre o criado-mudo.
- Josh!!!? - ela se assustou. - O que está fazendo? Aquilo é o seu sonho..
- Eu não preciso de um sonho se tenho você na minha realidade, Lex...
- Você ficou com medo de ir pra guerra?
- Fiquei com medo de deixar você sozinha e fazer você chorar mais...
- Mas porque você fez isso?
- Porque eu devia ter feito isso logo que a carta chegou.
Ele a abraçou, beijando seus lábios, então sorriu.
- Foda-se todo o resto, Lex, você é tudo que eu sou...

No terraço, Jack ainda bebia e fumava, sentado no parapeito. Soprando a fumaça para o alto ele riu e cantarolou:
- Talk of better days that are yet to come, never felt this love from anyone... she's not anyone!
Alguém xingou, e o barulho de uma garrafa se despedaçando foi seguido de uma risada que foi morrer de encontro ao céu noturno.

Um comentário:

Anderson" disse...

cara ficou ótimo, muito bom mesmo viu... desnecessário falar q vc ta escrevendo cada dia melhor não ^^